Em entrevista à Revista Isto é, Governador Flávio Dino diz que não foi possível corrigir em 30 dias os erros cometidos pelo clã Sarney durante 50 anos, mas garante ter acabado com o nepotismo.
Não bastasse o rombo nas contas públicas deixado pela antecessora, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), deparou-se com mais um grave e surpreendente problema administrativo, ao encerrar seu primeiro mês de mandato: a ex-governadora Roseana Sarney não quitava as despesas com energia dos órgãos públicos havia meses e o Estado deve R$ 30 milhões à companhia elétrica. A pendência se soma à dívida de R$ 1,1 bilhão herdada do governo anterior que, aos poucos, será equacionada, segundo afirmou Dino em entrevista à ISTOÉ. “É impossível que a gente corrija em 30 dias tudo de errado que fizeram em 50 anos. De qualquer forma, acabamos com o nepotismo e não há ninguém no governo ocupado em assaltar o erário público”, salientou o novo governador.
FLÁVIO DINO –
Há uma frase atribuída ao ex-ministro Pedro Malan que se aplica à realidade em que a gente se encontra: no Brasil até o passado é imprevisível. Toda semana é uma surpresa. Na terça-feira nós descobrimos que a conta de energia elétrica dos órgãos públicos não estava sendo paga havia vários meses, uma dívida de R$ 30 milhões. Não houve uma transição organizada: no meio do processo a governadora Roseana Sarney renunciou. Então, o que nós apuramos até aqui são débitos da ordem de R$ 1,1 bilhão. Nós fizemos uma economia rigorosa de custeio, seguramos a abertura do Orçamento e estamos lutando para atualizar esses débitos passados, sobretudo com os servidores e prestadores de serviço. As dívidas inadiáveis, como o empréstimo que Roseana havia feito com o Bank of America, uma parcela de R$ 110 milhões, nós pagamos neste mês.
Antes de assumir, o sr. impediu sua antecessora de fechar um contrato bilionário de terceirizados para os presídios. Qual foi a alternativa para lidar com a falta de funcionários?
FLÁVIO DINO –
Vamos substituir os terceirizados por trabalhadores temporários. Mesmo pagando um salário maior, o Estado terá uma economia anual de R$ 20 milhões. Isso mostra que a terceirização é ineficiente. O passo seguinte é fazer o concurso ainda neste ano para preenchimento dos cargos de agente penitenciário. Esse é o primeiro desafio; o segundo é ampliar e melhorar os presídios. Encontramos as obras de unidades prisionais paralisadas, porque elas haviam sido contratadas com base em situações de emergência que foram decretadas no auge da crise. O presídio Timon era para ter sido concluído em outubro; o de Imperatriz, em setembro. As obras não foram concluídas. Um caminho jurídico para dar sequência às obras é a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Por que os órgãos de controle do Estado não detectaram as irregularidades nas contas públicas durante o mandato de Roseana Sarney?
FLÁVIO DINO –
Os mecanismos de controle interno, externo e as ações do Ministério Público sempre foram muito frágeis, de baixa eficácia. Estamos tentando redesenhar esses mecanismos. O governo procurou o Tribunal de Contas do Estado para fazer o treinamento dos novos servidores. Estamos apurando e encontrando absurdos. Vamos provocar o tribunal de contas, o Ministério Público. Vamos enviar tudo para que eles tomem as providências que considerarem necessárias. Há casos de total afronta à lei de responsabilidade fiscal.
ISTOÉ –
O sr. recebeu críticas pela composição do secretariado. Existem parentes e apadrinhados em seu governo?
FLÁVIO DINO –
Não há nenhum parente meu em nenhum cargo até o 20º grau, rigorosamente nenhum. Em relação aos secretários, o que aconteceu é que nós estamos formando equipes. As pessoas citadas como aliados são servidores de carreira de vários órgãos. O caso em que mais bateram foi o da chefe de gabinete do governador. Ela é dirigente do PCdoB há 20 anos, foi dirigente do sindicato e coordenou minhas campanhas desde 2006. É professora concursada. Ela atualmente tem relação afetiva com outro secretário. É a mesma situação da ministra Gleisi Hoffmann com o ministro Paulo Bernardo. Eu não posso punir o amor, não posso controlar a vida afetiva das pessoas. Ele a nomeou? Não, fui eu quem nomeou. Não há nenhuma violação legal. Há uma tentativa dos nossos antecessores de buscar nos igualar a eles. Eles dizem o tempo todo: nada mudou. Mas o povo está vendo, não há nepotismo no Maranhão, não há ninguém no governo ocupado em assaltar o erário público, essa é uma grande mudança. Acabamos com as quadrilhas que operavam no governo do Maranhão. Nós pegamos o portal da transparência com 40% de gastos secretos e estamos refazendo o sistema. Eles estão nos acusando de deixar o portal fora do ar durante a troca da metodologia. Mas nós estamos corrigindo uma fraude. Eles cobram, mas é impossível que a gente corrija em 30 dias tudo de errado que fizeram em 50 anos.
ISTOÉ –
O cancelamento das obras da Refinaria Premium I trará prejuízos ao Maranhão?
FLÁVIO DINO –
A refinaria é uma boa ideia mal executada. Que o Brasil precisa de mais refinarias não há dúvida. Que é justo e necessário que essas refinarias sejam construídas nas regiões Norte e Nordeste é indiscutível. O principal produto do complexo portuário é combustível. O Maranhão é um grande distribuidor de combustível para o Norte e o Nordeste, é um entreposto. Temos necessidade de refino, porto, ferrovias e rodovias. A própria localização geográfica do Maranhão é estratégica, pois está no meio do caminho, tem acesso direto ao Centro-Oeste via ferrovias. São muitas vantagens técnicas.
ISTOÉ –
Então, por que o projeto fracassou?
O problema foi a apropriação eleitoreira, a agonia do Edison Lobão e do José Sarney quando eram ministro de Minas e Energia e presidente do Senado. Forçaram a mão para que o projeto da refinaria saísse de qualquer jeito, sem projeto, sem estudo técnico. Deu no que deu. Agora eles estão querendo empurrar o problema para mim. Eu tenho que salvar a refinaria do Maranhão. Eles me cobram todo dia. O Sarney fez um artigo dizendo que o governo tem que se mobilizar. Claro que eu desejo que o Maranhão receba uma refinaria, mas quem criou o problema foram eles. Que resolvam. O certo é que enterraram R$ 1,5 bilhão aqui e ninguém sabe como e por que agora há um vazio completo. Estou esperando passar a situação de instabilidade institucional muito aguda da Petrobras, que acabou resultando nesse anúncio da saída da Graça Foster. Estou esperando as coisas se arrumarem para eu restabelecer um diálogo com a Petrobras, em outras bases, em outros termos, dessa vez como uma coisa séria. Não por acaso, o intermediário dos negócios com o governo do Maranhão era o notório e notável Paulo Roberto Costa. Era ele que vinha aqui. Em todas as fotos da refinaria, com Roseana, com Sarney, com Lobão, está o Paulo Roberto Costa. Era ele o interlocutor, ele que vinha, ele que reunia, ele que anunciava. Sabe Deus o que está enterrado nesse buraco da refinaria. Boa coisa não é.
ISTOÉ –
O ex-presidente José Sarney atribuiu os cortes de verbas na fundação que guarda seu acervo a uma vingança. A instituição será fechada?
FLÁVIO DINO –
O que a gente fez emergencialmente foi reduzir os gastos. Havia um comprometimento com pessoal lá que ultrapassava R$ 2 milhões. Reduzimos a folha. Agora estamos averiguando a parte estrutural do prédio. O Convento das Mercês está com risco de desabamento, várias partes estão escoradas. Não consigo entender como deixaram um prédio do século XVII naquela situação. Estamos rediscutindo o modelo da fundação. O que se referir ao mandato presidencial do senador José Sarney pode integrar o acervo da fundação. O que for estritamente pessoal não interessa para a manutenção com dinheiro público. Ele pode fazer um memorial privado, custeado com dinheiro privado.
ISTOÉ –
Qual é o futuro da Fundação Sarney?
FLÁVIO DINO –
Nossa proposta é que fiquemos responsáveis apenas pela guarda do que é estritamente relacionado ao período presidencial. O passo seguinte é transformá-la em uma fundação de memória republicana, e não no registro de passagem de um único político.
ISTOÉ –
No Congresso, o sr. ajudava nas articulações do governo. Como analisa a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara?
FLÁVIO DINO –
Menos problemas do que se prevê. O governo continua a ter uma maioria folgada. A grande questão é a gestão dessa maioria. Há alguns anos, o PT tinha uma visão de que a chave da governabilidade é um duopólio PT/PMDB. Essa foi a estratégia do segundo mandato do Lula e do primeiro mandato da Dilma. Os conflitos e dificuldades iniciais mostram que é hora de uma visão mais aberta.
ISTOÉ –
Com os desdobramentos do escândalo da Petrobras, crises hídrica e energética e um inimigo no comando da Câmara, o governo corre o risco de atravessar uma crise institucional?
FLÁVIO DINO –
Crise institucional, não. Passamos por muita coisa na superação da ditadura para a democracia. Está muito claro que não há um cenário de impasse sem saída. A tendência é haver algum tipo de rearranjo, pacto entre as forças políticas. A iniciativa de abrir um diálogo com a oposição tem que partir do governo. A continuidade do clima do segundo turno não ajuda para que os problemas da população sejam resolvidos. Essa polarização sectarizada entre PT e PSDB não ajuda o Brasil. Essa é uma briga paulista que acabou se tornando uma questão nacional de um modo, a meu ver, muito artificial.