Do Jornal A Tarde
O publicitário Fábio Ribeiro é autor de um feito histórico. Diretor da campanha que levou Flávio Dino (filiado ao Partido Comunista do Brasil, o PCdoB) a ser eleito governador do Maranhão, no pleito deste ano, a equipe comandada por ele impôs uma derrota ao grupo político ligado à família do ex-senador José Sarney. A primeira em aproximadamente 50 anos. “Talvez este não seja o fim de um dos grupos políticos mais fortes do país, mas, certamente, é um sinal de que o eleitor mudou”, diz Ribeiro à Muito. Natural de Salvador e formado em artes cênicas pela Ufba, ele já assinou a direção de arte de inúmeros comerciais, realizados em parceria com as agências locais Propeg e Layout Propaganda, até ser “tragado pelo marketing político”. A primeira campanha que assinou como diretor nessa área foi a de Jaques Wagner (PT) para o governo da Bahia, em 2002, seguida da campanha de Cristovam Buarque (PDT) para a presidência, em 2006. “Na verdade, acho que tive a sorte de trabalhar com bons candidatos. Acredito que fica mais fácil quando se tem uma crença no produto”, explica. Nesta entrevista, Ribeiro fala sobre o processo eleitoral no Maranhão – “uma batalha contra um marketing desonesto” -, o atual modelo de financiamento de campanhas e o futuro do marketing político.
A eleição de Flavio Dino imprimiu uma derrota ao grupo do ex-senador José Sarney, ao mesmo tempo em que colocou, pela primeira vez, desde a redemocratização, um filiado ao PCdoB num cargo majoritário. Quanto desse feito é responsabilidade do marketing político?
O marketing teve uma participação muito efetiva, mas não total. O tipo de campanha que nossos adversários encaparam foi cheia de podridão. Eles jogaram de forma baixa. E a forma que encontramos para combater isso foi não bater de frente. Em vários momentos da campanha nos aconselharam a “ligar a batedeira”, a entrar no jogo das acusações. Mas mantivemos uma campanha muito propositiva. Isso foi um acerto. No entanto, outros fatores contribuíram. No Maranhão, há uma insatisfação natural depois de 50 anos dos Sarneys no poder. E Dino construiu a sua carreira política através de um diálogo muito estreito com o interior, com os movimentos sociais.
O vice de Dino é Carlos Brandão, do PSDB. Essa aliança foi usada para “atenuar” a esquerda que Dino representa?
Não chegamos a transformar em mote, mas é claro que esse poder aglutinador colocou a imagem de Dino em outro patamar. Uma grande aliança se formou em torno dele. Toda a oposição se juntou. Agora, independentemente dessa convergência de lideranças, a eleição de Dino deve-se bastante a certo esgotamento do discurso contra a esquerda. O Brasil está perdendo o medo da esquerda. Tentaram tachar Dino como “o comunista que come criancinha”. E, óbvio, isso jamais pegou.
Nesta aliança entre PCdoB e PSDB há dois partidos que, supostamente, possuem agendas políticas muito distintas. O eleitor vota em pessoas e não em projetos políticos ou ideologias?
Acho que o eleitor vota no pacote. Não adianta o candidato possuir um sólido programa de governo ou mesmo ideológico se ele, como pessoa, não convence. No caso específico de Dino, ele tinha os dois. A aliança com o PSDB, que fazia oposição ao grupo de Sarney, não sinalizou para o eleitor uma contradição. Pelo contrário, essa aliança expôs um candidato capaz de tecer diálogos e aglutinar pessoas em busca de uma mudança programática.
O trabalho foi fazer Dino representar uma “terceira via”, a exemplo do que tentou a campanha de Marina Silva?
Eu diria que foi fazê-lo representar uma nova via. O quadro político do Maranhão tem suas peculiaridades. Um exemplo é que, durante a campanha, parte do PT, por conta de um alimento nacional, apoiou o candidato dos Sarneys (Lobão Filho), mas toda a base e militância apoiou Dino. Foi uma situação peculiar. Esse apoio da militância ocorreu porque Dino representava um político diferente naquele cenário, um cara que tinha uma chancela popular.
Existe a máxima de que quem garante a eleição de um governador é o interior do estado. Como foi a campanha no interior do Maranhão, onde a família Sarney controla boa parte da comunicação?
Foi muito difícil. Havia, por parte da campanha adversária, um tom de caça aos comunistas… . Quando comecei a rodar o interior do Maranhão, as pessoas chegavam para falar sobre a insatisfação que sentiam e perguntavam se eu iria publicar o depoimento em algum lugar. Havia um medo de a declaração se tornar pública e, assim, provocar uma retaliação. Na capital, durante a votação, alguns membros locais da nossa equipe tiveram o título de eleitor apreendido por conta de supostas irregularidades. Mas nada é maior do que o sentimento de insatisfação do povo. Durante a pré-campanha, fizemos o programa Diálogos pelo Maranhão, onde Dino encontrava lideranças comunitárias nos confins do estado. Foi um trabalho de formiguinha. E essa adesão era imediata. Lembro de ter ido para Grajaú, onde fica concentrada grande quantidade de tribos indígenas. No início era uma reuniãozinha pequena, de 80 pessoas. Mas, à medida que Dino foi falando, as pessoas foram se juntando. Terminamos a reunião com cerca de 300 pessoas.
O atual modelo de financiamento das campanhas é alvo de muitas críticas. Poderá haver mudanças nessa área?
Há alguns anos, tudo era permitido numa campanha, inclusive shows com artistas, os chamados showmícios. Quando se falou que o showmício iria acabar, foi um estardalhaço, e teve gente dizendo que isso ia arruinar as campanhas. Bem, as campanhas continuaram. Acredito que o mesmo ocorrerá com o modelo de financiamento, embora as discussões neste caso ainda estejam muito imaturas. Em qualquer democracia, o que se faz para coibir a corrupção é aumentar o risco de punição, com maior transparência, mais instâncias de controle, aumento das sanções. Quando se fala em mudança no financiamento das campanhas – já que o modelo atual supostamente obriga os políticos a contraírem comprometimentos com o capital privado -, o que se coloca é uma tentativa de diminuir a tentação. Me parece um olhar ainda incipiente.
Na eleição deste ano se falou muito de “desconstrução” de candidaturas. Uma designação nova para um fenômeno antigo. No marketing político no Brasil há, claramente, um avanço técnico. Mas e o conteúdo, permanece o mesmo?
Quem forçará uma mudança maior no conteúdo é o eleitor. As eleições mostraram, em todas as pesquisas, um nível de insatisfação do eleitor com ataques pessoais entre adversários. Um dos motivos que levaram Aécio (Neves) a perder alguns pontos na reta final parece ter sido o tom agressivo que ele adotou. Por outro lado, vejo, sim, mudanças no conteúdo das campanhas políticas. É algo menos evidente, mas que já se coloca nas peças criadas. Uma dessas mudanças é a relação com a internet, como as campanhas têm utilizado as redes sociais para entender se o que está sendo feito tem funcionado ou não. Outra mudança é o investimento em pesquisas que ajudam a compreender melhor o que pensa e o que quer o eleitor. Há uma tentativa de entender mais profundamente o eleitor.
Você cita a campanha de Dino como exemplo de marketing político propositivo. Mas uma campanha política só com propostas soa como exceção…
Infelizmente, ainda é uma exceção. Mas a eleição de Dino mostra que aposta numa campanha assim não é um risco e pode gerar resultados. Agora, há um detalhe importantíssimo: o produto que se tem em mãos. Porque se o candidato só tem um projeto de poder em mãos, fazer uma campanha propositiva é impossível. No caso de Dino, nós tínhamos um bom material em mãos para trabalhar. Há uma expectativa imensa sobre a administração dele. Claro que a mudança que ele propõe não será a toque de mágica, mas acho que ele será capaz de fazer isso rápido, já que tem o apoio de muitos partidos. O Maranhão é a bola da vez no Nordeste. Tem muita gente querendo investir lá. Então, uma campanha política eficaz envolve sempre muitos fatores.
E o que é uma campanha política eficaz?
É a que ganha (ri). Mas temos que pensar melhor no que é ganhar. A campanha de Cristovam Buarque, por exemplo, foi uma das quais participei em que obtive maior êxito. Ele teve um crescimento de 100%. Saiu de 2% para 4%. Era uma campanha ideológica, num momento em que o país realmente precisava disso. Não é a vitória no pleito, mas uma vitória que garante ganhos igualmente importantes.