Em depoimento que presta nesta terça-feira (14) na Justiça Federal de Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que é “vítima quase que de um massacre” no caso Lava Jato.
O ex-presidente começou a prestar depoimento ao juiz federal Ricardo Leite às 10h12. Ele é ouvido sobre a acusação de tentar impedir o acordo de delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
A Polícia Militar bloqueou uma das ruas de acesso ao local, por temer protestos. Porém não houve aglomeração de militantes e nenhum incidente havia sido registrado até a publicação desta reportagem.
Lula negou a acusação do delator e ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) de que teria tentado interferir na delação de Cerveró. “Os dados são falsos”, disse Lula.
Sobre as acusações de Delcídio, o ex-presidente afirmou que não temia uma delação de Cerveró.
“Doutor [juiz], só tem um brasileiro que podia ter medo de um depoimento do Cerveró, pela relação dele, que é o Delcídio. Eu não tinha relação com o Cerveró. Eu não tive medo. O Delcidio contou uma inverdade nesse processo”, disse Lula.
Indagado sobre a motivação de Delcídio em dizer uma suposta mentira, Lula disse que pode ter sido por tê-lo chamado de “imbecil” quando veio à tona a gravação em que o então senador disse que iria procurar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar soltar Cerveró.
“Não sei o que o Delcidio resolveu fazer com isso [delação], certamente depois de presos alguns dias, a pessoa resolve jogar a culpa nos outros. Eu tive uma reação que eu sei que ele não gostou. [Disse na época] ‘Esse cara é um imbecil, nem na morte você citaria um ministro da suprema corte’. Ele ficou chateado porque eu o chamei de imbecil”, afirmou o ex-presidente.
Indagado sobre discutiu o caso Lava Jato com Delcídio, Lula confirmou ter mantido diversas reuniões com Delcídio, mas não para pedir um plano que livrasse Cerveró da prisão.
No início do interrogatório, Lula estimou que tenha uma renda mensal líquida de R$ 50 mil, mas não soube dizer com precisão, disse que iria checar seus documentos e informaria ao juiz posteriormente.
O juiz Ricardo Leite proibiu fotografar ou filmar o réu na sala de audiências e na sala em que a imprensa acompanha o depoimento por dois monitores de vídeo.
ACUSAÇÕES
É a primeira vez que Lula é ouvido como réu desde o início da Lava Jato, em março de 2014. Além desse caso, ele é réu em mais duas ações penais na 10ª Vara de Brasília, onde é ouvido nesta terça, e em outras duas em Curitiba (PR), na vara do juiz federal Sergio Moro.
O ex-presidente é acusado de infringir o artigo 2º da lei 12.850/2013 (“promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”), no parágrafo 1º (“nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”).
A pena prevista para o crime é de 3 a 8 anos de reclusão, mais multa.
Lula se tornou alvo do processo após ser citado em depoimentos prestados pelo ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) e Cerveró em acordos de delação premiada.
Em abril do ano passado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez ao STF (Supremo Tribunal Federal) um aditamento à denúncia original que ele havia apresentado em dezembro de 2015, para incluir na acusação Lula, seu amigo e pecuarista José Carlos Bumlai e o filho do fazendeiro, Maurício Bumlai.
A primeira denúncia tinha como alvos Delcídio, o banqueiro André Esteves, o advogado Edson de Siqueira Ribeiro e o assessor de Delcídio, Diogo Ferreira Rodrigues. Com a cassação do mandato de Delcídio pelo Senado, o processo foi distribuído à Justiça Federal de Brasília.
Segundo Delcídio, que era líder do PT no Senado, o ex-presidente Lula manifestou em uma reunião em 2015 “grande preocupação com a situação de José Carlos Bumlai em relação às investigações da Lava Jato”, pois temia que o fazendeiro fosse preso “em razão das colaborações premiadas que estavam vindo à tona”, em especial a de Cerveró e a do lobista Fernando Baiano.
Depois dessa conversa, sempre segundo Delcídio, o parlamentar chamou o filho de Bumlai, Maurício, também em maio, para “transmitir o recado e as preocupações de Lula”. Delcídio também disse ter comentado o problema da “situação financeira da família de Cerveró”.
O ex-senador disse à PGR que “pode dizer que o pedido de Lula para auxiliar Bumlai, no contexto de ‘segurar’ as delações de Nestor Cerveró, certamente visaria o silêncio deste último e o custeio financeiro de sua respectiva família, fato que era de interesse de Lula”.
Delcídio afirmou que, depois da conversa com Maurício, os Bumlai fizeram à família Cerveró cinco pagamentos, em parcelas de R$ 50 mil cada uma, de maio a setembro de 2015.
No final daquele ano, porém, o filho de Cerveró, Bernardo, contatou a Procuradoria e relatou o plano para calar o seu pai. Delcídio foi preso e depois se tornou colaborador.
A investigação conseguiu comprovar que Lula se reuniu com Delcídio, no Instituto Lula, em 8 de maio de 2015, mais duas vezes em abril, uma em junho e outra em agosto, “precisamente no curso das tratativas da compra do silêncio de Cerveró”, diz a Procuradoria.
A PGR também apontou que logo após a reunião de maio, Lula e Bumlai conversaram “diversas” vezes. Em 23 de maio de 2015, um dia após o pagamento da primeira parcela de R$ 50 mil aos Cerveró, conforme a PGR, Lula e Bumlai falaram ao telefone por duas vezes.
Com informações da Folha de S. Paulo